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Regra de Santa Clara - Introdução

Santa Clara e suas Irmãs receberam algumas orientações de São Francisco como “forma de vida” desde 1212, quando ingressaram na nova vida de Irmãs Pobres. Foi quanto bastou até 1215, quando, em obediência ao Concílio de Latrão, que mandava os institutos recentes se adaptarem às Regras antigas, tiveram que professar a Regra de São Bento. Foi então (1216) que Clara obteve de Inocêncio III o seu primeiro “Privilégio da Pobreza”. 

Em 1219, alguns mosteiros receberam a Regra do Cardeal Hugolino, que adaptava melhor a elas a Regra de São Bento, incluindo alguns pontos da sua “forma de vida” prática, mas deixando fora toda a pobreza franciscana, além de ignorar que elas estavam ligadas à Ordem dos Frades Menores, então no início, e que uma de suas bases era a vida fraterna. 

A Regra de Hugolino parece ter tido a colaboração de Frei Filipe Longo de Atri, um dos primeiros companheiros de São Francisco. Na bula “Angelis gaudium”, que mandou para Inês de Praga aos 11 de maio de 1238 (Ver BF I, 242-244), o Papa Gregório IX chega a afirmar que São Francisco aceitou essa Regra para as “Senhoras Pobres”. 

Mas o fato é que São Damião foi sempre especial. Clara continuou a se apoiar na “forma de vida” de São Francisco e no “privilégio da pobreza”. 

É bem provável que a partir de 1223, com a aprovação da Regra definitiva de São Francisco, Clara já tenha reelaborado a primitiva forma d vida dada por Francisco. Pode até ter tido alguma colaboração dele para isso. Mas foi Inocêncio IV quem acabou dando impulso definitivo para a forma de vida clariana. Após ter insistido na obrigatoriedade da Regra de Hugolino em 1245, o Papa Inocêncio suspendeu a observância da Regra de Sã Bento no dia 6 de agosto de 1247, permitiu que as Irmãs professassem formalmente a Regra de São Francisco e as submeteu à Ordem do Frades Menores, mas apresentou uma nova Regra, onde continuou a ignorar a pobreza a vida fraterna do ideal franciscano. Houve resistência de alguns mosteiros para aceita-la, e ele a confirmou com um documento mais forte, ainda no mesmo ano. Como a resistência continuasse, ele declarou, em 1250, que não tinha a intenção de obrigar a seguir a sua Regra. 

Foi então que Clara se animou a completar a sua “Forma de Vida”, pela qual deve ter ansiado por todo o tempo, pois queria viver os grandes ideais que ela e Francisco tinham concebido por inspiração de Deus. Essa forma de vida, a primeira Regra escrita por uma mulher, foi aprovada por Reinaldo, cardeal protetor, aos 16 de setembro de 1252, pelo Papa Inocêncio IV, com uma bula “Solet annuere” aos 9 de agosto de 1253. Clara recebeu-a no dia 10 e morreu no dia 11. 

Era o ponto de chegada de uma longa experiência de vida, feita na devesa da pobreza e da fraternidade. A Idade Média contou com um grupo destacado de mulheres muito capazes e muito santas, mas nenhuma ousou escrever uma regra, como Clara, e nenhuma teve sobre seus contemporâneos e pósteros toda a influência que ela teve. 

O documento escrito por Clara prova que ela conhecia muito bem e soube usar com precisão tanto a regra de São Francisco como a de São Bento, tanto a de Hugolino como a de Inocêncio IV e ainda enriqueceu o conjunto com seu conhecimento da Bíblia, dos autores sacros do seu tempo e de uma experiência toda original. 

Na realidade, como os mosteiros eram independentes entre si e a exigência de Clara pela pobreza era muito forte, sua Regra foi aprovada para São Damião e acolhida integralmente por poucos outros mosteiros, embora fossem cerca de cento e cinqüenta que aderiam à sua forma de vida em 1253. Já em 1259, aparecia a Regra de Isabel de Logchamps, irmã de São Luís da França, feita com a colaboração de diversos peritos e até mesmo de São Boaventura. Foi a que teve maior aceitação na França e na Inglaterra. E aos 18 de outubro de 1263, dez anos depois da morte da Santa, o Papa Urbano IV já apresentava uma nova Regra para as “Clarissas” (nome então introduzido por ele) de todo o mundo. 

A partir daí, começou-se a chamar de Regra Primeira a de Clara e de Regra Segunda a de Urbano. A Regra Segunda não conseguiu a unanimidade que pretendia, mas, por admitir propriedades, foi amplamente aceita, sendo a adotada por alguns mosteiros até hoje. No começo do século XV, havia cerca de quinze mil clarissas em quatrocentos mosteiros, e a regra predominante era a urbaniana. A Rega Primeira voltou ao seu vigor com a reforma feita nessa época por Santa Coleta de Córbia ou em alguns ramos reformados das clarissas, como o das Capuchinhas, fundadas em1537 por Maria Lourença Longo. 

Foi assim que chegamos ao fim do século XIX com não poucas incertezas sobre o texto completo e genuíno da Forma de Vida de Santa Clara. Mas em 1893, surpreendentemente, foi encontrado, no meio das roupas da Santa guardadas no mosteiro de Assis, uma caixa com o pergaminho original em que Inocêncio IV aprovou, no dia 9 de agosto de 1253, a regra original de Santa Clara. Não traz a caligrafia dela e sim a de um secretário da Cúria Romana, mas duas pequenas anotações são do próprio Papa. 

Na parte superior do pergaminho, Inocêncio IV escreveu à mão: Ad instar Fiat S. (Faça-se assim, S.). Embaixo colocou: Ex causis manifestis michi et protectorii mon[asterii] Fiat ad instar (Por razões conhecidas por mim e pelo protetor do mosteiro, faça-se assim). A primeira frase é uma fórmula de assentimento escrita e assinada, que o Papa colocava nos requerimentos que a chancelaria pontifícia estava redigindo e lhe apresentava antes de prosseguir. O representa Sinibaldo, o nome de batismo do Papa. Habitualmente, era só depois de obter essa aprovação que a chancelaria papal retomava o requerimento e compunha o texto definitivo. No caso da Regra de Santa Clara, requerimento e bula são o mesmo documento. Clara não deve ter feito o pedido por escrito. Inocêncio teve que se apressar, porque ela estava morrendo. Ele foi visitá-la no dia 9 de agosto e, nesse mesmo dia, assinou a bula. Um frade levou-a do convento de São Francisco, onde o Papa estava hospedado, até São Damião, provavelmente no dia 10 de agosto. Ela morreu no dia 11. 

O texto no pergaminho é corrido, sem subtítulos. Mas a divisão em capítulos é muito antiga, e por isso nós a colocamos em letras menores e marcamos os versículos em cada capítulo. A divisão em doze é artificial, não corresponde exatamente aos assuntos, foi feita provavelmente para imitar a da Regra de São Francisco (também dividida posteriormente) e é uma provável homenagem aos doze apóstolos. 

Para uma compreensão melhor da Regra, além das notas, remetemos ao estudo do Privilégio da Pobreza e das Regras de Hugolino e Inocêncio, que incluímos neste mesmo programa. 

O texto latino da Regra de Santa Clara está hoje muito bem estabelecido em diversas publicações européias, feitas a partir da edição de “Seraphicae Legislationis textus originales”, de Quaracchi, 1897. Para este programa, usamos o texto e a divisão em versículos de “Claire d’ Assise: Écrits”, de M.F Becker, J. F. Godet, T. Matura (Paris, Les Èditions du Cerf, 1985). Também nos apoiamos no texto de Omaechevarría, dos “Escritos de Santa Clara”, na segunda edição da BAC (Madrid 1982). Também cotejamos, posteriormente, com a edição de “Fontes Franciscani”, em latim. 

A introdução e a conclusão da Bula, que não são de Santa Clara, vão entre colchetes. 

Para ler e estudar a “Forma de Vida de Santa Clara”, usamos a sigla RSC (Regra de Santa Clara) acompanhada do números de 1 a 12 ou das palavras “pro” (prólogo) e “epi” (epílogo), que são da bula pontifícia.