Página de Estudos das Fontes Pesquisadas

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TEXTO ORIGINAL

Speculum perfectionis - 67

Caput 67. Qualiter ex verberatione daemonum cognovit plus placere Deo quod staret in locis pauperculis et humilibus quam cum cardinalibus.

1 Quodam tempore beatus Franciscus ivit Romam ut visitaret dominum Ostiensem. Et cum stetisset aliquibus diebus cum eo, visitavit etiam dominum Leonem cardinalem qui erat beato Francisco valde devotus. 2 Et quia tunc erat tempus hiemale, et omnino ineptum ad ambulandum, propter frigus et ventos et pluvias, rogavit eum ut diebus aliquot maneret cum ipso, et vice unius pauperis victum ab eo reciperet cum aliis pauperibus qui in domo sua quotidie comedebant. 3 Hoc autem dixit quia sciebat beatum Franciscum semper velle recipi tanquam pauperculum ubicumque hospitaretur, licet dominus papa et cardinales cum maxima devotione et reverentia ipsum reciperent et venerarentur ut sanctum. 4 Et adjecit: “Dabo tibi bonam domum remotam, ubi poteris orare et comedere, si volueris”.
5 Tunc frater Angelus Tancredi, qui erat unus de duodecim primis fratribus, qui etiam morabatur cum dicto cardinali, dixit beato Francisco: “Frater, est hic prope quaedam turris spatiosa valde et remota, ubi poteris tanquam in eremitorio permanere”. 6 Quam cum vidisset beatus Franciscus, placuit sibi; et reversus ad dominum cardinalem, dixit ei: “Domine, forsitan manebo apud vos per aliquos dies”. 
7 Et gavisus est valde dominus cardinalis. Ivit ergo frater Angelus et paravit in turri locum (cfr. Ioa 14,2) pro beato Francisco et socio ejus. 8 Et quia beatus Franciscus nolebat inde descendere, quamdiu maneret apud cardinalem, nec volebat aliquem intrare ad ipsum, promisit et ordinavit frater Angelus quotidie portare sibi et socio victum.
9 Cumque ivisset illuc beatus Franciscus cum socio suo, in prima nocte, quando volebat ibi dormire, venerunt daemones et ipsum fortiter verberaverunt. 10 Et advocans socium suum, dixit ei: “Frater, verberaverunt me daemones valde fortiter, et ideo volo quod maneas juxta me, quia hic timeo stare solus”. 11 Et nocte illa mansit juxta eum socius ejus, nam totus tremebat beatus Franciscus, sicut homo qui patitur febrem; unde per totam noctem vigilaverunt ambo.
12 Interim dicebat beatus Franciscus socio suo: “Quare verberaverunt me daemones, et cur data est illis potestas (Apoc 9,3; 13,5.7) a Domino nocendi mihi?”. 13 Et ait: “Daemones sunt castaldi Domini nostri; sicut enim potestas mittit castaldum suum ad puniendum illum qui peccavit, sic Dominus per castaldos suos, — id est per daemones, qui in hoc ministerio sunt ejus ministri — quemcumque diligit corripit et castigat (cfr. Prov 3,12; Heb 12,6)14 Multoties enim ignoranter peccat etiam perfectus religiosus; unde, cum non cognoscit peccatum suum, castigatur per diabolum, ut diligenter videat et consideret interius et exterius ea in quibus offendit; quia quos diligit Dominus tenero amore, in hac vita nihil in eis relinquit inultum. 15 Ego vero per misericordiam et gratiam Dei (cfr. Rom 12,1) non cognosco me in aliquo offendisse quod per confessionem et satisfactionem non emendaverim; immo, per misericordiam suam, hoc donum contulit mihi Deus quod de omnibus in quibus placere vel displicere sibi valeo in oratione claram cognitionem recipio.
16 Sed potest esse quod per castaldos suos nunc me castigaverit, quia licet dominus cardinalis libenter mihi misericordiam faciat, et corpori meo sit necesse recipere hanc recreationem, 17 fratres mei qui vadunt per mundum sustinendo famem et multas tribulationes, et alii fratres qui morantur in eremitoriis et pauperculis domibus, 18 cum audierint quod maneo apud dominum cardinalem poterunt habere occasionem murmurandi adversum me, dicentes: “Nos sustinemus tot adversa et ipse habet consolationes suas!”. 19 Ego autem teneor semper dare illis bonum exemplum, quia ad hoc datus sum eis; nam magis aedificantur fratres cum maneo in pauperculis locis inter ipsos quam in aliis, et magis patienter portant tribulationes suas cum audiunt me idem etiam tolerare.
20 Hoc itaque fuit summum et continuum studium patris nostri ut omnibus praeberet semper bonum exemplum(cfr. Ioa 13,15; Tit 2,7)et aliis fratribus tolleret occasionem murmurandi de se. 21 Et propter hoc, sanus et infirmus, tot et tanta passus est quod quicumque fratres scirent, sicut nos qui cum ipso fuimus (cfr. 2Pet 1,18) usque ad diem mortis ejus, 22 quotiescumque ea legerent, vel ad memoriam reducerent, non possent se a lacrimis continere; et omnes tribulationes et necessitates cum maiori patientia et gaudio sustinerent”.
23 Descendit ergo beatus Franciscus, summo mane, de turri, et ivit ad dominum cardinalem, narrans ei omnia quae sibi acciderant, et quae contulerat cum socio suo. 24 Immo etiam dixit ei: “Homines putant me esse sanctum hominem et ecce daemones me de carcere ejecerunt!”. 25 Et plurimum laetatus est dominus cardinalis cum ipso. Verumtamen quia sciebat et venerabatur eum tanquam sanctum noluit contradicere sibi,: postquam ibi noluit permanere.
26 Et sic beatus Franciscus valefaciens ei, reversus est ad eremitorium de Fonte Columbarum, juxta Reate.

TEXTO TRADUZIDO

Espelho da Perfeição - 67

Capítulo 67. Como, pelos castigos dos demônios, soube que agradava mais a Deus ficando em lugares pobrezinhos e humildes do quem com os cardeais.

1 Uma vez, o bem-aventurado Francisco foi a Roma para visitar o senhor de Óstia. E, permanecendo alguns dias com ele, visitou também o senhor Cardeal Leão, que era muito devoto do bem-aventurado Francisco. 2 E como era tempo de inverno, absolutamente inadequado para caminhar por causa do frio, dos ventos e da chuva, pediu-lhe que ficasse al­guns dias com ele e como um pobre recebesse dele o alimento com os outros pobres que diariamente comiam na sua casa. 3 Mas disse isso porque sabia que o bem-aventurado Francisco, onde quer que se hos­pedasse, sempre queria ser recebido como um pobre, ainda que o senhor papa e os cardeais recebessem com a maior devoção e respeito e o venerassem como santo. 4 E acrescentou: “Eu vou te dar uma boa casa afastada, onde poderás rezar e comer, se quiseres”.
5 Então, Frei Ângelo Tancredi, que era um dos primeiros doze frades e que também morava com o referido cardeal, disse a São Francisco: “Irmão, aqui perto há uma torre bastante espaçosa e afastada, onde poderás morar como num eremitério”. 6 Ao vê-Ia, São Francisco gostou e, voltando ao senhor cardeal, disse-lhe: “Senhor, creio permanecerei convosco por alguns dias”.
7 O senhor cardeal ficou muito contente. Então, Frei Ângelo foi e preparou na torre um lugar (cf. Jo 14,2) para São Francisco e seu companheiro. 8 E porque São Francisco não queria descer de lá, enquanto estivesse com o cardeal, nem queria que alguém en­trasse até ele, Frei Ângelo prometeu e decidiu levar diariamente o alimento para ele e o companheiro.
9 Quando o bem-aventurado Francisco foi para lá com seu companheiro, na primeira noite, quando queria dormir, vieram os demônios e o chicotearam fortemente. 10 Chamando seu companheiro, disse-lhe: “Irmão, os demônios espancaram-me muito fortemente; por isso, quero que permaneças a meu lado, pois tenho medo de ficar sozi­nho”. 11 Naquela noite, o companheiro ficou perto dele, pois o bem-aventurado Francisco tremia todo, como uma pessoa que estivesse com fe­bre; assim, ambos ficaram acordados a noite toda.
12 Entrementes, São Francisco dizia a seu companheiro: “Por que os demônios me bateram e por que o Senhor lhes deu o poder (cf. Ap 9,3; 13,5.7) de fazer-me mal?” 13 E acrescentou: “Os de­mônios são os carrascos de nosso Senhor. Ora, como o podestà manda seu carrasco para punir aquele que pecou, assim, por seus carrascos, —  isto é, pelos demônios que, nesse serviço, são seus servos —, o Senhor corrige castiga a quem ele ama (cf. Pr 3,12; Hb 12,6).14 Pois também o perfeito religioso, muitas vezes, peca por ignorância. Assim, não conhecendo seu pecado, é castigado pelo diabo, para que reflita diligentemente e se examine interior e exteriormente em que ele ofendeu; porque, nesta vida, o Senhor nada deixa impune naqueles que ele, ama com terno amor. 15 Eu, porém, pela misericórdia e graça de Deus (cf. Rm. ,12, 1), não sei de nada em que pudesse ter ofendido que não tenha reparado pela con­fissão e pela satisfação; e até, por sua misericórdia, Deus me deu a graça de, na oração, ter pleno conhecimento de tudo em que posso agradá-lo ou desagradá-lo.
16 Mas, pode ser que, agora, me tenha castigado por meio de seus carrascos porque, embora o senhor cardeal de boa vontade use de misericórdia comigo e seja ne­cessário que meu corpo receba este alívio,17 os meus irmãos que vão pelo mundo, suportando a fome e muitas tribulações, e os outros frades que moram nos eremitérios e em casas pobrezinhas, 18 ouvindo que permaneço com o senhor cardeal, poderão ter ocasião de murmurar contra mim, dizendo: “Nós suportamos tantas adversidades e ele tem suas consolações!” 19 Mas eu sou obrigado a dar-lhes sempre o bom exemplo, pois para isso fui dado a eles. Afinal, os frades edificam-se mais quando per­maneço entre eles em lugares pobres do que em outros; e supor­tam suas tribulações com mais paciência, quando ouvem que eu também suporto a mesma coisa”.
20 Com efeito, o máximo e contínuo esforço de nosso pai foi sempre o de dar a todos o bom exemplo (cf. Jo 13,15; Tt 2,7) e não dar aos outros frades ocasião de murmurar contra ele. 21 E por isso, são ou doente, sofreu tantas e tão grandes penas que to­dos os frades que o souberam, como nós que vivemos com ele (cf. 2Pd 1,18) até o dia de sua morte, 22 todas as vezes que leram ou recordaram tais coisas, não puderam conter as lágri­mas; e suportaram com maior paciência e alegria todas as tribula­ções e necessidades.
23 Assim, de manhã bem cedo, o bem-aventurado Francisco desceu da torre e dirigiu-se ao senhor cardeal, narrando-lhe tudo o que lhe aconte­cera e o que conversara com seu companheiro. 24 E disse-lhe tam­bém: “Os homens julgam-me um homem santo e eis que os demô­nios me expulsaram do cárcere!” 25 E o senhor cardeal alegrou-se muito com ele. Todavia, conhecendo-o e venerando-o como santo, não quis opor-se a ele, depois que não quis ficar lá.
26 E assim, despedindo-se, o bem-aventurado Francisco voltou ao eremité­rio de Fonte Colombo, perto de Rieti.