Página de Estudos das Fontes Pesquisadas

  • Fontes Franciscanas
  • Fontes Biográficas
  • Tomás de Celano
  • Primeira Vida (1Cel)

Primeira Vida (1Cel) - Introdução

Objetivo da Vida Primeira 

Celano quis mostrar Francisco como um renovador da Igreja. Para ele, Francisco, "tomado pelo novo e especial espírito” (6), era “o novo soldado de Cristo” (9), que dirigia os "novos discípulos de Cristo" (34, 38), os "primeiros e melhores frutos" da "vinha escolhida", "que a mão do Senhor tinha plantado havia pouco neste mundo" (74). Esse "homem do outro mundo" (82), dizia até o fim: "Vamos começar a servir a Deus, meus irmãos, porque até agora fizemos pouco ou nada" (103). Celano está sempre lembrando a novidade de Francisco. A ideia de "soldado de Cristo" é uma reminiscência da vida de São Martinho de Tours.
Essa "novidade" pode ser apreciada nos números 10, 11, 18, 26, 33, 37, 41, 92, 85, 89, 98, 114, 119, 121 e 122. Chamamos a atenção especialmente para 1Cel 89.


Circunstâncias em que foi escrita a Vida 

Tem um valor especial o conhecimento das circunstâncias em que se tornaram disponíveis os testemunhos usados pelo hagiógrafo e também as circunstâncias em que ele escreveu.
Celano foi encarregado de escrever a Legenda para que se conhecesse o novo santo: São Francisco morreu em 1226; no ano seguinte, seu amigo Hugolino foi eleito papa (Gregório IX) e o canonizou no dia 16 de julho de 1228, em Assis.
O autor trabalhou com recordações pessoais e testemunhos de pessoas que julgava dignas de fé. Como esteve na Alemanha desde 1221, foi pelos testemunhos que soube dos últimos fatos.
O santo tinha passado o ano de 1223 trabalhando para redigir uma versão da sua Regra que pudesse ser aprovada pelo papa. Sabe-se que muitos irmãos temiam que ele fizesse uma regra mais rígida. Acabou conseguindo a sua aprovação no dia 29 de novembro de 1223, pela bula Solet annuere, do Papa Honório III. Pouco depois, foi celebrar o Natal em Grécio, na comemoração que ficou famosa.
Apresentou a Regra bulada aos frades no capítulo de Pentecostes de 1224. Foi o mesmo capítulo que enviou os primeiros frades para a Inglaterra e Santo Antônio de Lisboa para a França, como pregador e professor de teologia.
Pouco depois, em agosto, Francisco foi para o Alverne, onde teria a experiência do Crucificado em setembro. Ainda encontrou forças para sair em missão, indo pregar nas Marcas de Ancona no inverno de 1224-1225. Em março de 1225 recolhe-se a São Damião, onde fica até maio e escreve o Cântico de Frei Sol. 
Nesse meio templo, uma sublevação em Roma obrigava o papa Honório III a sair da cidade e se refugiar em Rieti, de junho de 1225 a fevereiro de 1226. Francisco é acolhido em Rieti pelo cardeal Hugolino e se submete a um doloroso tratamento dos olhos. 
Aos 3/12/1224, Honório III autoriza missas públicas nas capelas franciscanas. Aos 7/10/1225, manda franciscanos e dominicanos como missionários.
Logo no começo de 1226, o papa dá dois documentos sobre as missões: permite que os frades usem dinheiro, vistam as roupas próprias do lugar e até que alguns sejam bispos. Em abril, Francisco vai para Sena, onde escreve o pequeno testamento. Em julho-agosto passa por Cortona e volta para Assis. Escreve o Testamento e morre pouco depois. Frei Elias escreve sua circular.
Em 1227, Hugolino foi eleito papa, João Parenti foi feito ministro geral e Santo Antônio provincial. Juliano de Espira, que era cortesão de Luís VIII, entrou na Ordem. No dia 8 de setembro, os cruzados vão para o Oriente levando uma praga que quase acaba com as tropas. Uma das vítimas é o landgrave da Turíngia, marido de Isabel da Hungria.
Na Páscoa de 1228, o povo de Roma se rebela, obrigando Gregório IX a ficar fora da cidade até 1230. Entre junho e julho, estando em Perusa, o papa aproveita para completar a causa de canonização de Francisco. Nessa ocasião, confirmou o Privilégio da Pobreza para Santa Clara e, provavelmente, encarregou Celano de escrever a legenda. Nesse mesmo ano, Isabel de Hungria entra na Ordem da Penitência em Eisenach.
Nos últimos anos, a Ordem, que já tinha mais do que cinco mil frades, começara a dar sinais de divisão interna. Mas a primeira biografia, dirigida a toda a Igreja, não os leva em consideração.


Fontes da Primeira Biografia 

No Prólogo, dizendo que ia contar a vida de Francisco, Celano declara:
Procurei apresentar pelo menos o que ouvi de sua própria boca, ou soube por testemunhas de confiança. Fiz isso por ordem do glorioso papa Gregório, conforme consegui, embora em linguagem simples.
Não dá para saber o que ele ouviu da boca de Francisco. Só faz uma referência a seu relacionamento com o santo, quando agradece a Deus por ter sido recebido com um grupo de letrados e nobres (1Cel 56-57). Mas em geral em se têm a sua narrativa da canonização (1228) como trabalho de uma testemunha ocular.
Entre as testemunhas "dignas de confiança" podemos ver o próprio papa (73-75, 99, 100, 118 e 121-126), Frei Elias (98, 105, 108, 109), Frei Bernardo (24, 30, 102), Frei Leão (6, 50, 102), Frei Ricério (49-50), e Frei Rufino (95).
Também podemos pensar que Celano usou como fontes as atas da canonização, ainda que ele dê a entender, no n. 124, que nem foi feito um processo. Além disso, deve ter usado a bula “Mira circa nos” de 19 de julho de 1228, e a Carta de Frei Elias.


A cronologia de São Francisco 

O Prólogo da Vida 1 começa dizendo:
Quero contar a vida e os feitos de nosso bem-aventurado pai Francisco. Quero fazê-lo com devoção, guiado pela verdade e em ordem, porque ninguém se lembra completamente de tudo que ele fez e ensinou.
Esse "ordenadamente" aparece no texto latino como "seriatim", isto é, em série, em ordem cronológica. E, de fato, uma das maiores colaborações que recebemos de Celano foi dar-nos uma cronologia básica para a vida de São Francisco.
Para marcar as datas, ele se baseia sempre na conversão de São Francisco, um fato que os historiadores situam entre junho de 1205 e junho de 1206, relacionando a conversão de Francisco com sua expedição militar à Apúlia.
O comandante do exército papal em que Francisco se arrolou para buscar a glória era Gualter de Brienne e hoje se sabe que ele morreu em junho de 1205. Francisco deve ter sido informado desse fato quando estava a caminho, em Espoleto. Foi aí que ele se perguntou: "Quem pode mais, o senhor ou o servo?" e começou a mudar o rumo da vida.


Observações sobre a Primeira Biografia de Celano 

A Vida I de Tomás de Celano é considerada uma publicação "oficial" por ter sido feita a pedido do papa e para ser conhecida em toda a Igreja, com a imagem de santo que se tinha oficialmente . Ele, de fato, segue o modelo das hagiografias antigas, além de usar o "cursus", uma espécie de melodia rítmica comum nas leituras que se faziam oficialmente na igreja. Mas o seu trabalho é muito sério, o melhor que se podia esperar de um "historiador" no seu tempo. A principal diferença talvez seja a de envolver tudo na novidade da proposta franciscana.
Tendo dividido a obra em três partes, deu importância maior aos anos de 1225 a 1226. Mas, justamente aí, reconhece que seu trabalho não é completo e pode ser aperfeiçoado por outros (1Cel 88). 
Soube dar conta da tarefa de apresentar um santo cuja vida serviria para edificar os fiéis. Podemos supor que o próprio papa tenha indicado a Celano quais as virtudes de Francisco que ele devia ressaltar, pois destaca a simplicidade e lembra ( 1Cel 73) que Hugolino ficou admirado principalmente por essa qualidade do santo.
Talvez tenha tido que defender essa sua posição, porque, no n. 189 da 2Cel, explica amplamente o que entendia por simplicidade de São Francisco.
A Vida I trata da simplicidade nos números 26, 27, 32, 44, 45, 48, 49, 50, 69, 72, 73, 75, 78, 80, 83, 84, 91, 99, 104, 114, 119, 120 e 125.
Também ressalta muito a humildade, do santo e de seus companheiros, nos números 17, 18, 29, 30, 31, 33, 34, 38, 39, 48, 54, 58, 77, 83, 84, 85, 93, 98, 101, 103, 122.
Mas fala muito menos da pobreza (19, 26, 31, 35, 39, 51, 75, 76, 85, 99, 117), talvez porque se dirige aos cristãos em geral e não aos franciscanos.

Quadro Geral da Primeira Biografia de Tomás de Celano 
Na Introdução, divide o trabalho em três partes.

A primeira parte (1-87) abrange os primeiros dezoito anos da conversão de Francisco.
1. Sua vida vã (1-2): “A mão de Deus o transformou...". 
2. Deus lhe apresenta suas armas (3-5): “para que... liberte o seu povo".
3. Francisco abraça o Reino de Deus (6-7).
4. Renuncia ao dinheiro, família e bens (8-15).
5. Não queria negar nada a ninguém (16-17).
6. Não queria ser um ouvinte surdo do Evangelho (18-22).
7. Francisco recebia a todos (23-31).
8. Francisco era um modelo para os frades (32-54).
9. Francisco foi missionário para o mundo inteiro (55-61).
10. Francisco fez muitos milagres (62-70).
11. Sua vida simples (71-83).
12. Sua maior aspiração era seguir a Cristo (84-87).

A segunda parte (88-118): fala dos dois últimos anos de Francisco.
0. Introdução (88-90): Sua sabedoria, renovação da vida evangélica.
1. A sabedoria divina revela sua paixão (91-93).
2. As chagas (94-96): “não costumava revelar a ninguém...” .
3. Dores físicas (97-98): “o homem exterior... vai se consumindo...".
4. Fiel à Igreja (99-101).
5. Francisco ensina os irmãos (102-104): “Comecemos, irmãos... ".
6. Sua enfermidade e morte em Assis (105-111).
7. Depois de sua morte (112-118).

A terceira parte (119-151): é a conclusão.
1. A canonização (119-126)
2. Os milagres (127-150)
Epílogo (151) 

Este livro está dividido em capítulos e em parágrafos. Cita-se pelos parágrafos. Se quiser ler algum deles, clique nas siglas abaixo.