Página de Estudos das Fontes Pesquisadas

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23. Carta pessoal para Santa Clara

Esta é a única carta que restou de uma correspondência entre Hugolino, quando ainda era cardeal, e a Santa. Segundo a Legenda, podem ter sido muitas essas cartas. 
Não há dúvidas sérias quanto à sua autenticidade. Um estudo interessante foi feito pelo Pe. Caetano Esser em Franziscanische Studium 35 (1953). 
Quanto à data, o mais provável é que tenha sido escrita em abril de 1220 (a Páscoa, nesse ano, caiu no dia 29 de março), pouco depois de São Francisco ter voltado da Terra Santa e de ter conseguido a nomeação oficial de Hugolino como cardeal protetor, porque sabemos que Hugolino foi a Assis nesse tempo para se encontrar com São Francisco. 
É bom lembrar que, em 1220, Hugolino era provavelmente o homem mais poderoso da Igreja e já teria perto de oitenta anos. Clara, guia pobrezinha de um pequeno grupo de mulheres que tinham prometido obediência a São Francisco, tinha vinte e seis anos. 
Demonstra-se impressionado com Clara e São Damião. Mas não deve ter compreendido com clareza a sua originalidade. Não reconheceu o espírito de sua pobreza e de sua fraternidade e acabou impondo a sua visão de vida contemplativa e de clausura. E até mesmo tentando impor o tipo de jejum dos cistercienses. 
Wadding substitui o Amém final por uma despedida datada de Roma. Caetano Esser acredita que Hugolino podia estar, na ocasião, em Viterbo, com a corte pontifícia. 
A carta ficou conhecida pela publicação da “Chronica XXIV Generalium” na Analecta Franciscana III (183). Foi daí que traduzimos o texto latino.

TEXTO ORIGINAL

23. Carta pessoal para Santa Clara

1 Carissimae sorori in Christo et matri salutis suae dominae Clarae, ancillae Christi, Hugolinus, Hostiensis, miser et peccator, episcopus, se ipsum totum quod est, quod esse potest. 
2 Carissima soror in Christo! Ab illa hora, qua a sanctis colloquiis vestris me redeundi necessitas separavit et ab illo gaudio caelestium thesaurorum avulsit, tanta me amaritudo cordis, abundantia lacrymarum et immanitas doloris invasit, quod, nisi ad pedes Iesu consolationem solitae pietatis inveniam, timeo, ne angustias illas semper tales incurram, quibus spiritus meus forte deficiet et penitus anima liquefiet. 
3 Merito, quia, dum Pascha tecum et cum ancillis Christi ceteris celebratum, deficiente illa laetitia gloriosa, qua vobiscum de corpore Christi tractaveram, sicut, cum Dominus a discipulis raptus et patibulo crucis affixus, immensa fuit tristitia subsecuta, ita remansi de vestra absentia desolatus. 
4 Et licet me usque modo sciverim et reputaverim peccatorem, intellecta meritorum praerogativa tuorum et rigore religionis inspecto, modo pro certo didici, quod tot peccatorum sum sarcina praegravatus et in tantum universae terrae Dominatorem offendi, quod non sum dignus electorum eius consortio aggregari et ab occupationibus terrenis avelli, nisi lacrymae et orationes tuae mihi veniam impetrent pro peccatis. 
5 Committo igitur tibi animam meam et spiritum recommendo, ut, sicut Iesus in cruce Patri suo spiritum commendavit, et in die iudicii mihi respondeas, si de salute mea non fueris sollicita et attenta; quia pro certo credo, quod apud summum iudicem impetrabis, quidquid instantia tantae devotionis et copia lacrymarum exposcit. 
6 Dominus Papa modo non venit Assisium, sed, opportunitate capta, te et sorores tuas videre desidero. 
7 Saluta Agnetem virginem et sororem meam et universas sorores tuas in Christo. Amen.

TEXTO TRADUZIDO

23. Carta pessoal para Santa Clara

1 À caríssima irmã em Cristo e mãe de sua salvação, dona Clara, serva de Cristo, Hugolino, ostiense, indigno e pecador, recomenda-se em tudo que é e pode ser. 
2 Querida irmã em Cristo. Desde que a necessidade de voltar me privou de vossos santos colóquios e me arrancou daquela alegria dos tesouros celestes, invadiu-me tanta amargura de coração, abundância de lágrimas e uma dor tão insuportável que, se não encontrar aos pés de Jesus a consolação da habitual piedade, tenho medo de cair sempre em tais angústias que meu espírito talvez desfaleça e minha alma se derreta. 
3 Com razão, pois, tendo celebrado a Páscoa contigo e com as outras servas de Cristo, sinto falta daquela alegria gloriosa de quando falava convosco sobre o Corpo de Cristo. Como, depois que o Senhor foi arrebatado aos discípulos e pregado na cruz, a tristeza deles foi imensa, assim fiquei eu desolado por tua ausência. 
4 Embora já me soubesse e reconhecesse pecador, agora tive a certeza, comprovando a excelência de teus méritos e vendo a rigidez de tua Ordem, pois estou sobrecarregado pelo fardo de tantos pecados e ofendi tanto o Dominador de toda a terra, que não sou digno de ser agregado à companhia de seus eleitos nem de me livrar das ocupações terrenas, a menos que tuas lágrimas e orações me alcancem o perdão dos pecados. 
5 Entrego-te minha alma e te recomendo meu espírito, para que, como Jesus entregou o espírito a seu Pai na cruz, tu também respondas por mim no dia do juízo, se não tiveres sido solícita e atenta por minha salvação. Estou certo de que conseguirás do sumo Juiz tudo que pedires com insistência de tanta devoção e abundância de lágrimas. 
6 O senhor Papa não irá agora a Assis, mas vou aproveitar qualquer oportunidade para ver a ti e a tuas Irmãs. 
7 Saúda a virgem Inês, minha irmã, e todas as tuas irmãs em Cristo. Amém.